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sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Instantes, momentos, reticências.




     Apoiada à janela, observou atentamente o brilho fascinante das luzes que iluminavam a calorosa noite. Vislumbrou o mar e os coqueirais que bailavam com a melodia do vento. Analisou as pessoas que caminhavam à beira-mar e algumas crianças que corriam, e  outras que patinavam. Contagiou-se ao ver os sorrisos estampados nos rostos, os abraços dados, os acenos... Apreciava testemunhar os encontros e desencontros tão comuns ao cotidiano. Demorou-se assim, não sabe por quanto tempo, contemplando o agradável cenário.
     Vidas. Vidas regadas a angustias, alegrias e medos. Quantos sentimentos são necessários para a consolidação de um ser? Refletiu. Avistou o horizonte e sorriu ao recordar que ela mesma experimentou com intensidade cada porção do “sentir” desencadeado ao longo dos anos.
     Absorta, ouve seu nome e delicadamente volta-se para o quarto. Ele deitado, reclamou aconchego. De imediato, desprendeu-se da paisagem, fechando as janelas. Caminhou com passos suaves até o leito, sentando-se ao lado dele. Entreolharam-se, percebeu que ele estava sonolento, encostou-se mais e com as mãos transportou a cabeça daquele homem, amparando-a sobre suas coxas, ele obedeceu cerrando os olhos ao passo que balbuciou algo inaudível, repousando por fim um dos braços em cima de suas pernas. Em silêncio acariciou-lhe os cabelos grisalhos, mergulhando nas sensações que aquela proximidade provocara por ininterruptas estações.
     Ansiou por muito tempo aquele instante, o que a fez agarrar-se ao momento ímpar com entusiasmo. Um turbilhão de sentimentos eclodiu naquelas poucas horas em que os sentidos, agora, faziam sentido.  No entanto, um misto de plenitude e desencanto digladiavam-se, em seu íntimo. Estavam, mas não seriam, lamentou. A emoção vestindo-se de corsellet vermelho a conduziu até ali, entretanto, a prudência, essa, trataria de levá-la sem arranhões para suas infinitas horas em seu apartamento. Ambos sabiam, ele tinha que partir, mas a vida era feita de idas e vindas, portanto não era motivo para tormentos, o instante era mágico e seria eternizado, pensou. Não haveria dores, talvez restasse uma saudade, ou ainda quem sabe, apenas uma boa recordação de um amor forçadamente amputado. Curvou-se e beijou-lhe a fronte. Entre resmungos, ele lançou-se sobre o travesseiro, ao lado. Sorrindo, virou-se lateralmente, apagando a luz do abajur.  Deitou-se e abraçou aquele universo que não a pertencia. Antes de dormir, sussurrou-lhe ao ouvido: Meu sonho, amanhã é dia de acordar.
                                                                                 
                                              
Somaia Gonzaga

11/08/2016