Caminhavam absortas, apreciando o
entardecer singular daquele litoral. Já cansadas do passeio, sentaram-se sobre
um barco ancorado a beira-mar. Alice, sua amiga desde a infância, era tagarela,
e um passeio de quase meia hora em absoluto silencio já era muito bom, pensou,
enquanto usufruía com serenidade daquele instante. Percebeu que a mesma estava
inquieta, talvez a falta de assunto a enfadasse, preocupou-se, entretanto, sentia que
por hora precisava da quietude, o barulho do cotidiano a estressava
e o crepúsculo era um convite a apreciação. Num átimo, Alice pôs-se de pé, cruzou a praia e
começou a molhar os seus pés na espuma marinha, como num ritual em homenagem a vida.
Ana observou a locomoção da moça
ao passo que refletia. Ah vida... Ocorreu-lhe
o refrão de uma música de Gonzaguinha. “...vida, vida, vida... que seja do
jeito que for, mar, amar, amor...” Lembrou-se do compositor que tanto exaltou a
vida, mas que por ironia do destino teve uma existência breve, bem como, passam
os anos e toda uma existência, considerou.
Viver... Refletiu, enquanto
observava o vaivém das ondas que lambiam a areia fina e branca da praia. Para
ela, sobreviver era apenas ter a consciência de estar em contínuo aprendizado, vivenciando
todos os momentos como únicos e experimentando em cada partícula do ser, as
conseqüências dos erros e acertos, tão necessários como o próprio tempo. Nunca
conheceu alguém que fosse um eterno sofredor, nem mesmo uma pessoa totalmente
feliz, o que a fez deduzir que a vida é dinâmica, cercada dos “sim” e dos “não” ou ainda dos “talvez”.
Assim sendo, viver era ser completo sem estar pleno. Era ser, estar e sentir. Concluiu.
Seus pensamentos foram
interrompidos, com a proximidade de Alice que surgiu com um sorriso largo e
de uma alegria quase infantil. Lá vem conversa, presumiu. Freneticamente Alice acercou-se e de pronto
indagou:
- E aí? Cadê o amor? – Interpelou
com simpatia.
- Está aqui. - Respondeu-lhe calmamente.
-É? Onde? - Perguntou a outra curiosa e percorrendo os
olhos por toda orla.
Sorriu, ao perceber o espanto da mulher
que depois de inspecionar o ambiente a olhava com olhos arregalados, diante de sua
afirmativa. E foi com o olhar fixo ao mar que explicou serena:
- Está aqui em meu peito,
guardado a sete chaves.
- Como? Ah! Já sei! Não é
correspondida? – Sondou compadecida.
- Está falando em um homem? - Ironizou. Sabia o que ela investigava, no
entanto, resolveu brincar um pouco.
- Está falando de uma mulher? A outra
não se continha de curiosidade e a cada segundo denotava apreensão.
- Alice... Meu amor está na vida.
Amo tudo isso aqui. – replicou com entusiasmo.
- Ah bom! – suspirou meio que aliviada
e continuou. – Não me respondeu Ana! Estou falando em um namorado... Sorriu
maliciosamente.
- E eu da vida. - Devolveu o
sorriso - Existe coisa melhor do que esse
sossego? Saio aos finais de semana com minhas amigas e me divirto. Volto pra
casa tranqüila e durmo em paz. A cada dia me convenço que manter-se bem é vivenciar
o que me causa alegria. Há tempos não namoro. Gosto do romantismo, do amor à
moda antiga, da paquera, infelizmente percebo que as relações amorosas estão
inexpressivas, ou pior, tornaram-se comerciais, o que é uma pena, vincular-me assim
não me traria satisfação alguma. Não faz muito tempo, ainda acreditava que a
minha felicidade se encontrava em outro alguém. Coitado! Quanta
responsabilidade para o outro, não é mesmo? E que miserável eu seria! –
Gargalhou. – A idéia de que a nossa
felicidade depende de uma relação , seja ela qual for, elimina qualquer possibilidade de bem-estar
íntimo. Em tempo, percebi que esse contentamento está em mim e isso independe
de possuir uma companhia ou não. A Vida é muito mais que isso Alice. A vida é
oportunidade de aprendizado, de disciplina, de autoconhecimento, de troca de
conhecimentos e experiências. Limitar a vida a encontros e desencontros sexuais
é regressar ao estágio animal. Não me vejo nesse patamar, entretanto, não
censuro quem faz disso um esporte. – Escarneceu – Já amei muito, e guardo ótimas
recordações, porém a vida segue e cada um procura o que é melhor para si mesmo.
Você vai dizer que sinto falta e até concordo! Realmente algumas vezes, a gente
se pega pensando em como seria encontrar uma pessoa na atual conjuntura, contudo,
não lamento, nem festejo tal circunstancia. Sinceramente, o que realmente entendi
é que o meu amor sou eu, falo isso sem orgulho ou egolatria, mas com a
simplicidade de uma pessoa que acredita ter alcançado o mínimo de equilíbrio. A
propósito, menos lenga-lenga e mais ação! Já está escurecendo e tratemos de
voltar para casa, preciso de um banho e me trocar, hoje à noite vou ao
Caranguejola, ver gente bonita, jogar conversa fora, espairecer!
Levantou-se encerrando a conversa, moveu-se em direção a avenida e gesticulou para que a moça a seguisse. Compreendeu que seu argumento não
agradou a sua interlocutora, uma vez que, o mutismo e o olhar eram de reprovação, ignorou, pois
pensavam diferentes e ela respeitava a individualidade humana. Similarmente deduziu que a única coisa que fez brilhar o olhos de sua amiga foi o fato de ter mencionado o restaurante que compareceria, pois que, de imediato a mesma pediu para acompanhá-la, e ao consentir-lhe a
moça não parou mais de conversar e foi assim durante todo o percurso, articulando a roupa,
sapato, bolsa, maquiagem que iria usar para a ocasião. Cabisbaixa, Ana a ouvia e divertia-se com a velocidade
e quantidade de palavras que saiam da boca daquela menina, nem sequer, uma
pausa! Como pode uma pessoa falar tanto? Olhou-a tentando entender o motivo de
tanta euforia. Será que ela estava cogitando arrumar um namorico no recinto? Queira
Deus que arrume, ao menos ficaria mais concentrada no possível affair, impossibilitando-a de tagarelar! Caçoou, à medida que apressava seus
passos, uma vez que ela também precisava organizar-se, já que havia muito a se
viver.
Somaia Marguerite Gonzaga